Mark Kozelek e o medo da morte ao vivo em Torres Vedras

Kozelek TV

Mark Kozelek esteve este sábado no Teatro-Cine de Torres Vedras no âmbito do pouco divulgado festival Vagabundo, que trouxe a esta cidade, bem como Aveiro e Torres Novas, alguns nomes sonantes da música, com destaque para Howe Gelb e, claro, o criador dos Red House Painters e dos Sun Kil Moon.

Foi da primeira fila que vi JP Simões abrir as hostilidades com aquilo que me parece razoável descrever como um concerto tropical-humorístico mais que competente. Estranho, claro, porque ele é estranho… mas competente. Mas não era JP Simões que me tinha levado a Torres Vedras.

Já tinha visto Mark Kozelek ao vivo em Sintra há três anos e foi difícil disfarçar uma certa desilusão pelo alinhamento pouco interessado em visitas ao passado. A música foi fantástica mas faltou-me grande parte das canções com que os Sun Kil Moon e os Red House Painters me convenceram. Na altura, a exceção foi “Carry Me Ohio”.

Desta vez, não houve exceções, tanto quanto consigo perceber. A mais antiga que Mark Kozelek tocou foi “Alesund”, a sublime canção de abertura de Admiral Fell Promises, álbum editado pelos Sun Kil Moon em 2010. Sim, 2010. Com uma carreira de mais de 20 anos, Mark Kozelek deu-se ao luxo de cobrir, neste concerto, os últimos três.

E o resto, Mark Kozelek?

Ao menos desta vez não fui apanhado de surpresa. É que, ainda por cima, Mark Kozelek já tem três discos editados este ano: Like Rats (o álbum de covers), Perils From The Sea (a aventura meio eletrónica com Jimmy LaValle, mentor de The Album Leaf) e Mark Kozelek & Desertshore (com os Desertshore, claro está). Ora, se juntarmos a isto Among The Leaves, o álbum editado em 2012, ficamos com cinco discos entre 2010 e 2013. A verdade é que há nestes discos material suficiente para um bom concerto. A noite de sábado prova-o sem problemas.

Mas um concerto em que as minhas únicas grandes referências são “Alesund” e “Among The Leaves” não é representativo da brilhante carreira de Mark Kozelek e é este o único problema que não desaparece. Como é que não há uma única canção de Ghosts Of The Great Highway ou April, dos Sun Kil Moon? “Glen Tipton”, “Carry Me Ohio”, “Salvador Sanchez”, “Gentle Moon”, “Moorestown”, “Lost Verses”, “Heron Blue” e “Blue Orchid” tinham todas espaço para brilhar. Como é que não há uma única canção dos Red House Painters? “Void”, “Cruiser”, “Michigan”, “Katy Song” e “Mistress” são apenas algumas das que conseguimos ouvir em discos gravados recentemente ao vivo por Mark Kozelek.

Mas não. Tivemos, isso sim, memórias sobre os amigos, sobre a família, sobre o Ohio, sobre a Califórnia e histórias que têm estampados o medo de envelhecer e a morte, temas cada vez mais recorrentes na escrita do músico de 46 anos. São temas que espelham o que Mark Kozelek é atualmente melhor do que qualquer tema sobre a sua ex-namorada e musa de sempre, Katy. E isto representa um choque: entre aquilo que eu quero que ele faça e aquilo que ele quer fazer. E ele ganha sempre, o sacana.

Com um humor muito peculiar, Mark Kozelek esteve particularmente conversador neste concerto. Falou sobre como todas as mulheres que conheceu em Portugal se chamam Ana. Falou sobre como não fazia ideia do nome da cidade onde estava mas que era uma cidade fantasma (foi este o argumento utilizado por ele para fazer encore – percebeu que as pessoas tinham ficado lá porque não havia nada para fazer lá fora). Falou ainda sobre odiar “Track Number 8”, a primeira canção pedida por alguém do público. O curioso é que, apesar de odiar a canção, que espelha as dificuldades que sente enquanto compositor, sentiu-se obrigado a tocá-la (apesar das sugestões imediatamente apresentadas pelo público como alternativa)… pelo menos até ao momento em que se esqueceu da letra.

O que posso eu dizer que dê sentido a isto tudo?

Posso dizer-vos que fiquei a conhecer melhor algumas das novas canções, com destaque para “Livingstone Bramble” (que o levou a pedir desculpa, qual rei das afirmações passivo-agressivas, por não percebermos o humor dele), “Caroline” e “Ceiling Gazing”. Reduzidas à combinação entre guitarra acústica e voz, brilharam mais do que seria de esperar.

Posso dizer-vos ainda que Benji, o novo álbum dos Sun Kil Moon agendado para fevereiro de 2014, promete algo entre o mais do mesmo e o céu. “Richard Ramirez Died Today Of Natural Causes” e pelo menos uma outra (ainda sem título) que fala de uma Michaelene, de um Brad e do seu avô fazem-me pensar que Benji pode ser um disco acima da média para Mark Kozelek.

A conclusão bastante pessoal que tiro deste concerto é que farei tudo para estar presente na próxima passagem de Mark Kozelek por Portugal. É que, apesar da mágoa por não ter direito às canções maravilhosas que já não esperava por aí além ouvir, o concerto foi tremendo. A voz particularmente frágil, a guitarra impecável e as canções que nos levam em viagem, seja pelo midwest, pela costa oeste ou pela vida de Mark Kozelek, são um conjunto difícil de bater. E eu quero ouvir mais histórias e deixar-me embalar durante quase duas horas e ficar lixado no final por não ter tido esta ou aquela música (ou todas). E quero que isto se repita vezes e vezes sem conta, até não poder mais.