Cat Power: boa mulher no Coliseu

Cat Power

Esperei dois meses por este concerto. Comprei bilhete para um lugar central na primeira plateia, apesar de não ter ficado muito satisfeito com o concerto de Cat Power na Aula Magna, há um ano e meio atrás. Na altura, pareceu-me uma coisa muito pouco profissional e cheia de momentos parados. A Chan Marshall propriamente dita tinha sido o único elemento que tinha evitado o descalabro total daquele concerto. E é ela também que faz com que este texto possa parecer demasiado adjectivado.

Desta feita, excepto a primeira parte descabida (nem me lembro de que agrupamento musical era aquele; recordo-me apenas dele ser de Londres e ela ser de Paris), a noite valeu a pena. Chan Marshall falha em alguns dos temas que escolhe para o alinhamento e falha ocasionalmente quando canta. Mas é exactamente esta imperfeição, esta humanidade, que a torna numa das mais impressionantes artistas dos últimos 15 anos. A verdade é que os concertos de Cat Power são únicos porque ela tenta, erra, inventa, mistura e estraga e faz isto de forma tão eloquentemente decadente que é impossível não adorar.

Sim, muitos não adoraram a música: “entre o sono e o sonho”, diz Pedro Figueiredo no Diário Digital, como que a tentar salvar o concerto aborrecido que foi o de Cat Power. Ali, naquele palco, a música é apenas parte de um todo que inclui a imagem e a atitude da figura central e o próprio ambiente onde esta actua. A música é a mesma de sempre; é ela a espaços, longe da omnipresença. Mas o concerto é a Chan Marshall total, o fenómeno incoerente e desconexo mais apaixonante da música actual.

A música propriamente dita foi feita de JukeboxThe Greatest e umas migalhas. Ela queixava-se do som aqui e ali (como tinha feito na Aula Magna) e escondia-se em danças dignas de um mimo (como tinha feito na Aula Magna). Lá para o final, veio até à plateia e esteve a três metros de mim. Foi o momento alto do concerto, ela ali a gritar qualquer coisa de que já não me recordo e eu a ser feliz. Depois fugiu para o palco mas não fugiu da sala: ficou por lá sem cantar, a agradecer, a distribuir setlists e a fazer palhaçadas durante mais uns largos minutos.

Musicalmente, nunca será perfeita. É raro ver perfeição e displicência na mesma receita. Ela é assim. Ao concerto faltou apenas “Good Woman”… que seria mais uma a juntar ao tal sono. A verdade é que dormiríamos todos muito melhor.