Yo La Tengo na Aula Magna: crónica de um resmungão

O concerto começou às nove e pouco e acabou à meia-noite. Pelo meio, muita boa música e um grande intervalo a separar as músicas calminhas das barulhentas. No palco, os ulmeiros traziam à memória de Ira Kaplan o clássico do terror Pesadelo em Elm Street, resumindo ironicamente (à melhor maneira indie, portanto) aquilo que os Yo La Tengo nos têm dado desde que nos começaram a dar música nos anos 80: uma sopa de referências e inspirações que os tornam únicos no panorama musical das últimas décadas.

Nesse sentido, o concerto foi representativo, mesmo que de forma segregadora. Tivemos a folk e as melodias mas também tivemos o psicadelismo cheio de feedback. Só não tivemos a maior parte das grandes – enormes! – músicas que fazem dos Yo La Tengo uma referência.

Talvez tenha algum azar (vá, um azar primeiro-mundista) mas nunca ouvi ao vivo “I Heard You Looking”, “From a Motel 6″, “Black Flowers”, “I Feel Like Going Home”, “Our Way To Fall” ou “Stockholm Syndrome”. E desta vez nem sequer tocaram “Sugarcube”. Pelo menos a “From a Motel 6″ era de esperar, não?

Não quero parecer ingrato. Percebo que têm um álbum novo – ao qual não dei ainda toda a atenção – cheio de coisas interessantes e uma carreira para lá de longa. Percebo que não podem tocar sempre as mesmas. Mas assim vai sempre saber a pouco, por melhor que seja o concerto. Porque eu sei que eles podem fazer melhor. A “From a Motel 6″, por exemplo, está a transformar-se numa espécie de the one who got away – quem já passou por isso sabe que é uma experiência traumática. E reparem: isto sou eu que os conheço mal. Nem sei, certamente, de grandes pérolas que andam para aí perdidas.

Feito o desabafo, posso dizer-vos sem grande surpresa que um concerto de Yo La Tengo nunca é mau. Enquanto houver temas como o épico “Pass The Hatchet, I Think I’m Goodkind” ou o rockeiro “Nothing to Hide”, estamos bem. A sério que estamos. Estou quase certo que tocaram “Ohm” duas vezes (uma versão calminha e outra quase barulhenta) – curiosamente, a única banda que tinha visto tocar duas vezes a mesma canção num concerto tinha sido os Toranja (pronto, já acabou o momento de trivia). E tocaram outras canções de Fade, que soa muito bem ao vivo. Os grandes destaques? A belíssima “I’ll Be Around” e “Before We Run”, mesmo sem os metais todos.

Outros momentos altos foram a música cujo nome não sei – este blog é autêntico serviço público, meus amigos! – que foi pedida pelas pessoas da primeira fila e que obrigou a banda a ensaiar durante dois minutos antes de a tocar para nós e a minha surpresa da noite, “Big Day Coming”. Uma versão folk de “Big Day Coming”, ao invés das duas versões originais: a esquisita cheia de sintetizadores e a barulhenta cheia de feedback.

Não quero que fiquem com a impressão errada. Assistam a concertos de Yo La Tengo. Nos dois concertos anteriores, por exemplo, tocaram duas vezes a “Black Flowers” e uma vez a “From a Motel 6″ e basicamente quase tudo o que queria ouvir… portanto, eles tocam-nas – só não quando eu estou na mesma sala. Mas nem pensar que vou deixar escapar um concerto deles em Lisboa – é que mesmo que não me deem o que quero, dão-me mais do que suficiente. Um dia que termina com um concerto de Yo La Tengo é um bom dia.