O resto é ruído

O Resto É Ruído

O Resto É Ruído, de Alex Ross, é provavelmente o livro sobre música mais difícil que já li. É também – posso dizê-lo com grande certeza – o mais interessante.

A propósito da minha última ida às compras – e por ter comprado um livro com as letras de Mark Kozelek -, pus-me a pensar nos livros sobre música que li até hoje. Apesar de já ter lido uns quantos muito interessantes, como o inacreditável Musicofilia, de Oliver Sacks, ou a biografia dos Broken Social Scene This Book Is Broken, de Stuart Berman, O Resto É Ruído supera-os porque foi duro mas sobretudo porque me abriu a porta para um mundo que ainda hoje conheço muito, muito mal: o da música clássica.

O grande mérito deste livro é o facto de explorar e explicar facilmente o contexto, a música e as consequências do trabalho dos grandes compositores clássicos do século XX. Mas, com mais de 500 páginas e uma profundidade apaixonante (o autor não tem medo de ir aos pormenores, quando sente necessidade), O Resto É Ruído faz-nos sentir mal com o pouco que sabemos sobre o assunto. Às tantas, dava por mim a voltar atrás para perceber melhor aquela parte porque, pronto, o que raio são uma “sétima descendente” e “um acorde austero de sétima dominante”?

Mas dá-nos muito mais do que dores de cabeça e sentimento de culpa. Dá-nos, em linguagem própria para leigos (olá!), uma visão interessantíssima da evolução da música desde o final do século XIX até ao final do século XX. Compositores como o finlandês Jean Sibelius, o austríaco Arnold Schönberg ou o russo Igor Stravinsky, que até então eram apenas nomes distantemente familiares, ganharam corpo e fui obrigado a ir ouvir uma ou outra coisa de cada um deles. Daí até pensar que gostava de ir ver algo como A Sagração da Primavera, de Stravinsky, ou Peter Grimes, de Benjamin Britten, foi um saltinho.

Além do aspeto musical, a outra grande vitória deste livro é a forma como nos mantém ligados à História do século XX – sobretudo a da primeira metade do século, em todo o seu esplendor bélico e propagandista – e à forma como os regimes Nazi e Soviético usavam a música para fins políticos, por exemplo. E depois há os pormenores: as reações das pessoas nas salas de teatro a determinada ópera mais polémica, com vaias, insultos, discussões ruidosas e debandadas intempestivas; ou as trocas de galhardetes entre compositores com visões diferentes em cartas e artigos… Comparados com esta gente, os irmãos Gallagher são uns meninos.

Já lá vão quase quatro anos desde que acabei de ler O Resto É Ruído (que, diga-se, na edição da Casa das Letras tem ali uma bela capa). Quando foi lançado em 2007, o livro foi aclamado pela crítica e o autor, Alex Ross, que é ele próprio crítico de música clássica, foi nomeado para vários prémios. Reitero o que disse antes: foi uma leitura difícil, sem dúvida. Mas quatro anos depois apetece-me lê-lo outra vez.