Uma visita à casa na Islândia que MAHOGANY criou

MAHOGANY

O Duarte é a modos que um amigo da casa. Além disso, percebi a determinada altura que ele estava a preparar um álbum. Bem, percebi porque ele me disse e me mostrou uma música. E sabem que mais? O que ele me mostrou era bom.

Se não fosse, eu estava lixado. Ou, vá, mesmo que fosse bom, se eu não tivesse gostado, estava lixado. É que tenho alguma dificuldade em mentir. Não é que não o faça de vez em quando – é apenas razoável – mas não costumo safar-me muito bem. É simples: sou um mau mentiroso. Portanto, se eu não gostasse do que o que o Duarte me mostrou, aquela conversa iria tornar-se muito desconfortável muito rapidamente. Mas não. Não só a música não embaraçaria ninguém como me pareceu genuinamente boa. Fiquei à espera do álbum.

O Duarte adotou MAHOGANY como nome de palco, algo que é sempre uma carga de trabalhos para quem escreve (porque não sei se hei de falar na pessoa MAHOGANY ou no projeto)… mas tudo bem. O álbum, esse, chama-se a house in iceland (um título que muito feliz me faz, apesar de ser todo em minúsculas) e chega a 9 de março, editado exclusivamente em formato digital pela ZigurArtists. O Duarte foi simpático e deixou-me ouvi-lo antes do tempo para poder escrever sobre ele em primeira mão. E as expectativas, essas cabras habitualmente traiçoeiras, acabaram por não fazer mal nenhum.

Não vou pôr-me para aqui a dizer que a house in iceland é o melhor álbum de sempre. Mas é, sem sombra de dúvida, uma das coisas portuguesas mais interessantes que ouvi nos últimos tempos.

O som é frio, meio lo-fi, e todos os holofotes se centram na guitarra acústica, mesmo quando a voz aparece, a trazer à ideia um Scott Matthews ou um Jose González menos polido. Aliás, o único elemento que rivaliza verdadeiramente com a guitarra é o silêncio. Porque, por exemplo, é nele que pinga o crepitar que acompanha um sample com a voz de John Coltrane a dizer qualquer coisa sobre compreender ou não a música em “Polaroid Syndrom | Part I” e porque são as pequenas paragens entre secções, aqueles pequenos espaços, que as completam verdadeiramente. É como se fossem os dois lados de uma mesma moeda ou assim – som e silêncio irremediavelmente juntos a fazer música.

Os momentos mais psicadélicos e a utilização de samples  de voz com convidados como John Lennon, Dalai Lama, George W. Bush, Martin Luther King Jr., Henrique Medina Carreira e os sobrinhos do Duarte, entre outros, ao longo do álbum interessam-me menos do que os momentos mais crus, mais coração na boca. A única exceção? A guitarra elétrica do Gonçalo Brito que vem dizer olá em “Of Human Evils And Divine Contemplations”.

Curiosamente, apesar das diferentes ramificações que se encontram ao longo do álbum, há uma certa coesão no trabalho final. As camadas de voz esquivas que acompanham alguns temas, como na segunda e na última partes de “The Soul’s Journey To The Intelligible Place”, ajudam. E faz-se sentir um certo ambiente cerimonial ao longo do álbum que também ajuda e impede que o escutemos só em fundo, mesmo nos seus momentos mais minimalistas.

Dito isto, não posso deixar de destacar quatro momentos de a house in iceland.

O primeiro é mesmo o tema de abertura, “The Cave”. Para mim, é uma espécie de tradição ter como canção favorita de um álbum… a primeira. E acontece aqui mais uma vez, porque é a que melhor incorpora o que mais gostei quando o Duarte me mostrou aquilo que agora se chama MAHOGANY pela primeira vez. Se só puderem ouvir uma música, é esta que têm de ouvir… e tem de ser uma ponta à outra. Mas, de qualquer forma, ninguém  pode ouvir uma música, certo?

O segundo momento digno de destaque é o mais convencional, chama-se “To Where All Lights Go” e permite perceber que, apertando parafusos aqui e ali, MAHOGANY pode bem abandonar algumas bengalas (já falei aqui dos samples de voz, certo?) e focar-se na música, seja ela mais ou menos convencional. Resumindo, está ali uma canção com cabeça, tronco e membros, mesmo que não seja a estrela mais brilhante do disco.

O terceiro momento é apenas parte de um tema – é a segunda parte de “A House In Iceland”, o single de lançamento. Com jeitinho, a primeira parte até podia entrar aqui mas não me sai da cabeça a letra baladeira regada a lugares comuns. Era para ser uma limpeza à alma mas a verdadeira limpeza só começa quando a canção muda. Aí o caso muda de figura. E fá-lo de forma a que me apeteça regressar à canção só para a ouvir acelerar novamente. Ouçam-na na totalidade aqui:

O quarto momento é o último bocadinho de “The Soul’s Journey To The Intelligible Place” e do álbum, que recupera, com a ajuda de sei lá quantas vozes lá ao fundo, uma folk qualquer que passeia entre Simon & Garfunkel e coisas tocadas em pianos de bar. Porque é que esta pequena canção de dois minutos – que é apenas parte de uma viagem e nem tem direito a título próprio – merece destaque? Porque demonstra algo que me parece óbvio no fim do álbum: a promessa de um futuro maior é enorme. Não se lembrem é agora das habitualmente traiçoeiras expectativas.

Apesar de prejudicado por um certo vibe de interlúdio, a house in iceland é claramente um álbum muito promissor (nestas coisas dos novos artistas, ou o álbum é quase perfeito ou, sendo bom, é apenas promissor). A folk meio fria, meio quente, que dá sentido ao título do álbum é claramente a minha praia. Além disso, conheço o Duarte, o que pode sempre influenciar o meu julgamento. Portanto, sou duplamente suspeito. Mas não tenho dúvidas, estou convencido.

A partir de segunda-feira, 9 de março, poderão dizer-me se concordam ou não.