Aurous: o Popcorn Time da música?

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Pirataria: a canção favorita da indústria discográfica está de volta.

Nos últimos anos, o tema principal das conversas sobre a indústria discográfica tem vindo a deixar de ser a pirataria. A culpa é, claro, do streaming e de serviços como o Spotify, o Apple Music, o TIDAL e o YouTube. O facto de serviços deste tipo estarem a atrair cada vez mais utilizadores, muitos deles pagando por subscrições, ajuda a explicar o fenómeno.

Têm sido tempos interessantes, estes. A indústria, com todos os seus defeitos e aproveitando a boleia e a inovação de gigantes e startups tecnológicas, parece finalmente focada numa resposta positiva ao declínio das últimas duas décadas. Se bem se lembram, grande parte deste período foi dedicado pelas grandes editoras e associações do setor a casos de tribunal e a lobbying em Washington e em Bruxelas. Mas lá está, as coisas parecem estar a mudar, sobretudo desde que conseguiram ver-se livres do Grooveshark.

A pirataria ou a partilha de ficheiros online desapareceu? Certamente que não. O que aconteceu, com o streaming, foi que surgiram soluções mais simples, totalmente licenciadas e agradáveis de utilizar que conquistaram adeptos. A tal resposta positiva, portanto. Tanto que a discussão nos últimos anos se tem focado sobretudo em dois aspetos: o valor pago aos artistas pelos serviços de streaming e a viabilidade económica destes mesmos serviços. Discussões interessantes, sem dúvida… que ficarão para outra altura.

Aqui vamos nós outra vez…

É que a pirataria parece estar a voltar à ribalta. E a culpa é do Aurous.

Toda a gente lhe chama o PopcornTime da música. O PopcornTime, por sua vez, é descrito comummente como uma espécie de Netflix pirata. O Netflix, bem, é o Netflix. Mas isso não interessa nada.

O Aurous surge como uma alternativa totalmente gratuita e sem publicidade aos serviços de streaming normais. Funciona de forma radicalmente diferente, um pouco como o Popcorn Time: não aloja música diretamente, alimenta-se de redes BitTorrent, sites russos duvidosos e serviços perfeitamente legais e licenciados, como o YouTube e o Soundcloud. O segredo, aqui, é mesmo o interface: simples, fácil de utilizar e bonito. Uma espécie de Spotify simplificado.

O serviço em si tem alguns problemas que também afetavam o Grooveshark, nomeadamente ao nível da organização e disponibilidade do catálogo (até porque, em teoria, não tem catálogo próprio). Mas, regra geral, funciona suficientemente bem para assustar a indústria, claramente. Tanto é que a Recording Industry Association of America já avançou com uma queixa em tribunal. No Twitter, a conta do Aurous reagiu assim:

O caso promete ser interessante, até porque o Aurous se posiciona apenas como um leitor de música, já que não tem um servidor próprio associado e apenas picaservidores espalhados por aí. Não tem nenhum acordo de lincenciamento com players da indústria, o que explica o cerco que já começaram a fazer-lhe. Mas vamos ver quanto tempo demora a quebrar. Porque, convenhamos, vai quebrar. A única dúvida é mesmo quando.

No entanto, poucos dias após a apresentação da queixa, já há uma ordem de restrição temporária emitida pelo tribunal que impede o Aurous de se mexer em qualquer sentido, seja para distribuir o software, promovê-lo ou envolver-se em qualquer outra atividade que incentive a utilização do mesmo. Andrew Sampson, criador da aplicação, já tem uma equipa de advogados a trabalhar no sentido de reverter a decisão mas, neste momento, a RIAA está a ganhar.

O “grátis” enquanto argumento

Pessoalmente, acho que a indústria não deveria estar assim tão preocupada com o Aurous. Percebo a postura, embora ache que não ganham nada com isso. Sobretudo junto da opinião pública, que vê nas editoras muitas das características típicas dos vilões das telenovelas. Mas nem é por isso que esta me parece, à partida, uma preocupação exagerada. É que, num aspeto fundamental, o Aurous não é o PopcornTime da música. E não o é porque o Spotify não é o Netflix da música. Não por enquanto, pelo menos.

É preciso não esquecer que o Spotify tem algo que o Netflix não tem: a possibilidade de subscrever o serviço gratuitamente (ainda que a troco de publicidade). E isso faz toda a diferença. Apesar da sua simplicidade, o esforço que implica o Aurous pode afastar os menos geeks da sua utilização. E há alternativa gratuita, portanto…

A questão é: estará o Spotify a preparar o abandono da modalidade grátis? É uma forte possibilidade, sobretudo tendo em conta a pressão dos acionistas no que diz respeito à rentabilidade do serviço.

Se assim for, avançar para tribunal com o Aurous até pode ser razoável… mas sinto que vamos voltar ao mesmo: a resposta negativa que nada de bom trouxe à música nas últimas duas décadas.