Cat Power em Lisboa: a música vs. o resto

Cat-Power-CCB

Noite de música maravilhosa e muito desconforto no CCB.

Um concerto de Cat Power consegue ser genuinamente aflitivo. O que Chan Marshall deu este sábado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, não foi exceção.

Coisa de mulher e guitarra ou mulher e piano, dependendo da altura, o espetáculo da norte-americana teve tanto de brilhante como de perturbador. Não foi surpresa para muita gente – quem já a tinha visto ao vivo ou tinha lido sobre concertos dela sabia o que a casa gasta – mas não deixou de afligir. Em “Old Detroit”, música com que abriu o concerto, Chan Marshall já se queixava da falta de volume da voz nos monitores. A partir daí foi um crescendo de queixas sobre a falta de reverb da voz, tentativas de solucionar o problema (fazendo uma caixinha com as mãos à volta do microfone) e pedidos de desculpa durante e após as canções… até ao mini-esgotamento que teve quando já estava sentada ao piano. Apeteceu subir ao palco para lhe dizer só que estava tudo bem, que ela é maravilhosa e que as inseguranças dela são apenas isso mesmo: inseguranças. Foi, como disse, aflitivo. E, como bónus, ainda tivemos aquele final… em que ficou no ar a pergunta “o que estamos aqui a fazer?” a propósito do que se passa na Síria. Reparem que não era um “o que estamos aqui a fazer?” metafísico – era mesmo para quem estava na sala.

E isto, para o caso de terem dúvidas, foi a parte perturbadora.

A parte brilhante – e que me fará continuar a ansiar por novos concertos dela em Portugal – foi a que fez esgotar o Grande Auditório do CCB: a música.

Assistir a um espetáculo de Cat Power nunca é como ouvir músicas de um álbum ao vivo. É sempre algo à parte, diferente, como se cada música tivesse vida própria. É, por um lado, pouco satisfatório, porque nunca se sai da sala de barriga cheia, mesmo quando ela toca muitas das favoritas do público, já que as músicas ganham e perdem arranjos, letras e acordes. Por outro lado, no entanto, é desafiante e interessante… e tudo soa maravilhosamente quando a voz que transporta as palavras é a de Chan Marshall. É um concerto vivo e realmente único.

Quando nos conseguimos abstrair das distrações – e às vezes é difícil, claro -, a música é simplesmente imbatível. Se juntarem a este padrão de qualidade um alinhamento fortíssimo, então o que é difícil é não sair do concerto feliz. E, para minha surpresa, foi o que aconteceu. O alinhamento deixou-me rendido.

Não digo que tenha sido perfeito – claro que não foi. Houve pouco Sun (só me lembro de “3, 6, 9”), o último álbum editado por Cat Power, e entre as mais antigas houve uma ausência de peso: “Metal Heart”. Mas com temas como “Werewolf”, “Fool”, “Names”, “Colors And The Kids”, “The Moon”,”I Don’t Blame You” e a luminosa “Maybe Not”, não vou cometer a ingratidão de me queixar.

Até porque, entre as inúmeras covers que Chan Marshall nos trouxe na noite de sábado, estava a lindíssima “Naked, If I Want To” (um original dos Moby Grape e parte de The Covers Record, editado por Cat Power em 2000). Covers à parte, estava também “The Greatest”, que se tornou um clássico assim que foi lançado em 2006. E estava, para meu êxtase, a perfeita “Good Woman”, tema maior de You Are Free e a canção de Cat Power que mais aquece o meu coração.

Foi um concerto esquisito e desconfortável, como se esperava, mas lindo.

Além disso, no que diz respeito a desconforto, nada bate o que aconteceu na primeira parte, com os Appaloosa (que são um duo de eletrónica) representados apenas pela vocalista Anne-Laure Keib e por um MacBook. Posso dizer-vos honestamente que me senti como se estivesse a ver uma peça de teatro de Kristen Wiig (viram o Bridesmaids, certo?). Mas não… e algumas das músicas nem eram assim tão más. Mas aquilo teve pelo menos tanto de karaoke e de comédia como de concerto.

Já Cat Power, para variar (e para o caso de ainda não terem percebido), fez-me muito feliz. Nunca dará um concerto limpinho e nunca será perfeita. Se caíram de paraquedas no CCB, provavelmente ficaram indecisos sobre se foi uma seca ou simplesmente estranho. Mas a música que ela nos trouxe é muito maior do que a performance. É coração em forma de arte, é a coisa mais frágil e mais bonita que Chan Marshall nos podia dar.