Os mesmos Daughter, três anos depois

Daughter

A banda britânica regressa com Not To Disappear e é como se nunca tivesse ido a lado nenhum depois de If You Leave.

Os Daughter arrasaram comigo em 2012, uns meses antes do lançamento de If You Leave. A culpa foi de “Youth”, tema editado no ano anterior que ouvi graças a um atencioso email de um amigo, que me enviou este vídeo:

Fiquei apanhado. Quando o trio londrino editou o álbum de estreia em 2013 já eu estava rendido aos três EPs lançados anteriormente. Era música para os meus ouvidos, tanto figurada como literalmente. O álbum apenas reforçou o sentimento e acabou por ser um dos meus favoritos desse ano.

Quase três anos depois, no entanto, o que têm os Daughter para oferecer-nos com Not To Disappear, o proverbialmente complicado segundo álbum? A banda decidiu apresentá-lo recorrendo a dois temas: “Doing The Right Thing” primeiro, “Numbers” depois. Dois temas na linha melancólica e cuidada de If You Leave, cada uma à sua maneira. A questão tornava-se óbvia: tendo os Daughter um catálogo de temas tão coeso até agora, seria o novo álbum mais do mesmo ou uma mudança radical?

A resposta curta é: mais do mesmo. Para a resposta longa, venham daí.

Em entrevistas recentes, os Daughter andavam a dar a impressão de que Not To Disappear trazia algo de fundamentalmente diferente: que If You Leave era muito melancólico e este nem tanto, que depois de terem estado tanto tempo em digressão estavam um pouco mais rock do que antes, que se obrigaram mutuamente a fazer coisas diferentes. A única explicação para isto é: quando trabalhamos muito num projeto, conhecemo-lo como ninguém e temos noção de pormenores que quase ninguém identifica. E eu percebo, acontece com toda a gente. Mas uma coisa é certa: quando se ouve Not To Disappear, a palavra “diferente” só nos vem à lembrança com algum esforço.

O álbum parece sofrer da síndrome do pós-rock: soa tudo bem, mas igual. Dito isto, se gostam dos Daughter, é pouco provável não gostem do que a banda preparou. A música atmosférica, as letras vagas, vagamente românticas e invariavelmente tristes e as melodias de embalar permitem aos Daughter continuar a dar apoio a quem está a curtir a fossa (o álbum tem, inclusivamente, um tema intitulado “Fossa”).

Não sendo possível negar a coerência e qualidade de Not To Disappear, é difícil ignorar o quão semelhante o álbum é a If You Leave. Quase todas as canções poderiam fazer parte do alinhamento do primeiro álbum sem que se notasse grande diferença. Enquanto fã, nesta fase incomoda-me pouco, mas o estímulo pode não ser suficiente para toda a gente.

Algumas canções parecem marginalmente mais complexas. Provavelmente tem a ver com o facto de o processo criativo ter incluído o feedback da banda às letras e melodias da vocalista Elena Tonra numa fase mais inicial das canções, ao contrário do que tinha acontecido com grande parte dos temas de If You Leave. Mas não consigo afastar a ideia de que isso pode ter dificultado o florescimento de algumas canções. “Doing The Right Thing”, por exemplo, soa muito bem, sobretudo quando cresce, mas é praticamente só a mesma melodia vocal repetida a cada verso.

O que há de diferente em Not To Disappear? Há uma visita à terra da dream pop em “How”, que serve como luz no meio da escuridão que é a primeira metade do álbum. Há um bocadinho mais de eletrónica a regar as diferentes canções. E há um ou outro desvio à norma, como “No Care”, que se destaca pela percussão frenética e pelo ritmo acelerado. Sinto que a relação podre retratada na canção não deveria soar tão animada. Mas lá vou abanando o pé ao som de coisas como “But my mouth felt like I was choking, broken glass” e “I’m not searching for replacements / But we are like broken instruments”. No entanto, sempre bate mais certo do que o quase dub de “Alone/With You”.

Grande parte das canções em Not To Disappear evolui de forma semelhante, com o acrescento de camadas a guiar cada uma delas em crescendo até à rebentação. O pós-rock agradece a homenagem, mas o formato torna-se previsível rapidamente.

Quase todas as letras cobrem os mesmos assuntos: o amor, relações em fim de vida e o gradual ganhar de consciência desse fim de vida. É tudo muito fácil de processar porque o amor de merda e os corações partidos são assuntos relativamente universais. Mas também acaba por contribuir para a tal ideia de mais do mesmo. Em “To Belong”, por exemplo, a determinada altura estamos a ouvir “I don’t want to belong, to you, to anyone” repetidamente, como ouvimos durante anos e anos e anos em milhares de canções pop. É sempre bom reforçar a mensagem, mas não me peçam para ouvir isto como se fosse a primeira vez.

O único tema que soa um pouco mais fresco é “Fossa”, que vive das mudanças de velocidade e, quando acelera, brilha muito mais. Ah, e aqui Elena Tonra já diz “I can be what you want”. Ela que se decida.

Os Daughter sabem construir uma canção. Sabem fazê-la respirar. E soa tudo sempre muito bem. Por exemplo, a forma como algumas letras encaixam nas músicas é um exercício tão rigoroso que quase as faz parecer exercícios de matemática. Os efeitos que as guitarras fazem ecoar e a voz fumada de Elena Tonra embrulham tudo na perfeição. Ouçam “New Ways” e “To Belong” e isto torna-se óbvio.

Perdeu-se alguma da subtileza e contenção que tornava temas do primeiro álbum como “Youth” e “Shallows” em obras de arte perfeitas, mas não se pode ter tudo. A música deles é isto. Durante grande parte do tempo, não tenta ser grandiosa – e só o é quando não há um caminho menos exposto e mais económico à disposição da banda. Um bocadinho à imagem da aparentemente tímida Elena Tonra, portanto.

Tentem perceber uma coisa: Not To Disappear ouve-se muito, muito bem. Podem pô-lo a rodar repetidamente, que vai continuar a soar maravilhosamente. É mais do mesmo, o que é bom quando o “mesmo” é algo que nos agrada. A questão é que, depois de If You Leave, é possível que isso não chegue.