Um olhar sobre um falso clássico chamado The Trials of Van Occupanther.

Há uns anos, antes de abraçar os podcasts, o Spotify apostava em programação original desenvolvida em parceria com artistas. As Staves tiveram, durante uns meses, uma playlist chamada In Residence: The Staves que funcionava basicamente como um programa de rádio: conversa entre elas, uma ou duas músicas, mais conversa, mais músicas, etc. Foi na primeira edição dessa playlist-programa que conheci “Bandits”, dos Midlake.

A canção tinha algo de clássico. A guitarra acústica, o piano, a bateria e o baixo brincavam entre si à moda antiga enquanto as harmonias vocais me atiravam violentamente para o meio da história sobre uma casal que tinha de recomeçar a vida do zero depois de bandidos lhes roubarem tudo o que tinham. Aquela espécie de soft rock rural parecia galopar pelos meus ouvidos adentro e eu não podia fazer nada senão ouvi-la vezes sem conta até me fartar, como é meu hábito.

Mas não me fartei.

“Bandits” faz parte de um álbum. E eu passei quase tanto tempo sem o ouvir como o que separa o meu primeiro contacto com a canção da publicação deste texto. É um velho hábito.

A culpa é sobretudo minha, mas “Head Home” não é inocente. Se, como eu, ouvem muitas canções em repeat de forma pouco sistematizada, certamente já se aperceberam de que acabam a conhecer muito bem o início da música seguinte. “Head Home” é a canção que se segue a “Bandits” no alinhamento do álbum e, convenhamos, começa de forma bastante banal. Portanto, ponham-se no meu lugar: acabam de ouvir uma música com que têm um laço e começa outra que não vos diz nada; o que fazem? Voltam atrás, claro.

E assim se passaram anos. Até que, a determinada altura, decidi pegar no álbum para o ouvir com atenção.

The Trials Of Van Occupanther foi editado pelos Midlake em 2006 e, apesar da capa hedionda, foi bem recebido pela crítica. Conceptual e anacrónico, o álbum agarra-se como uma lapa aos Fleetwood Mac, mas só muito raramente soa deslocado. E como é que um álbum sobre personagens do tempo da Maria Cachucha e cheio de sons dos anos 70 pode soar minimamente fresco? Bem, não sei ao certo como, mas The Trials Of Van Occupanther consegue-o.

O álbum está cheio de histórias em tons sépia sobre montanhistas, bandidos e caçadores, mas a música é a cola que as une sob um mesmo conceito. Conceito esse que acaba por soar futurista. É que no tempo das personagens que povoam as histórias de The Trials Of Van Occupanther, folk rock com derivas progressivas seria um pouco como Doc Brown no Velho Oeste de Regresso Ao Futuro: Parte III.

Se, em vez de simplesmente continuar de “Bandits” para “Head Home”, tivesse decidido visitar “Roscoe” primeiro, já há muito que teria ouvido o álbum de uma ponta à outra. É que o tema de abertura de The Trials Of Van Occupanther é facilmente o melhor momento do disco (juntamente com “Bandits”, claro está). Em “Roscoe”, a voz dengosa de Tim Smith — que abandonou a banda em 2012 e, apesar de ter um projeto “novo”, não voltou a lançar música nova — contrasta com o frenesim da bateria e a eletricidade da guitarra, mas tudo junto funciona incrivelmente bem.

Na prática, este passo atrás ajudou a dar balanço ao álbum, que assim escorrega muito melhor (incluindo, ironicamente, “Head Home”). “Van Occupanther” soa a balada cansada de fim de noite e “Young Bride” traz-nos à memória os Grizzly Bear, mas há algo nos Midlake que não deixa esquecer outra banda com “lake” no nome muito dada ao campismo: os Great Lake Swimmers. “Branches”, a peculiar “Chasing After Deer”, “You Never Arrived” e a já referida “Bandits” têm aquele cheirinho a campo que pede um alpendre, uma cadeira de baloiço e uma sesta de uns minutinhos. Mas se quiserem mesmo dormir, “We Gathered In Spring” e “It Covers The Hillsides” são opções bem melhores: é que aqueles sintetizadores devem ter estado a ganhar pó desde os anos 70 e, citando Samuel Úria, eu nunca fui do prog rock.

The Trials Of Van Occupanther não é um clássico, apesar de soar ao mesmo que algum rock clássico. Mas com temas como “Roscoe”, “Bandits”, “Van Occupanther” e “Chasing After Deer” no alinhamento, dizer que se ouve bem parece um eufemismo.