Uma tardia, mas inevitável carta de amor a “Helplessness Blues”, a melhor canção dos Fleet Foxes.

Não gosto especialmente dos Fleet Foxes. Nunca gostei. Tendo a irritar-me um pouco com a voz de Robin Pecknold e com as harmonias vocais que marcam a música da banda. Mas gosto – e muito – de “Helplessness Blues”. A canção, não o álbum.

Helplessness Blues, o álbum, foi lançado em 2011, portanto dei-me tempo para chegar a esta conclusão. E desconfiava, antes de ver os Fleet Foxes ao vivo em Paredes de Coura, que gostaria mais deles em concerto do que em disco. Assim foi, felizmente. O concerto foi uma agradável experiência. Arriscaria dizer até que foi dos melhores que vi nesta edição do festival. E terminou com “Helplessness Blues”. A julgar pelos alinhamentos que vi no Setlist.fm, não poderia ser de outra forma.

A canção tem exatamente uma coisa de que não gosto: o facto de a palavra “unique” surgir duas vezes nos três primeiros versos.

I was raised up believing I was somehow unique
Like a snowflake distinct among snowflakes
Unique in each way you can see

Questões, questões

E é só. Tudo o resto é maravilhoso. O ritmo de “Helplessness Blues”, marcado pela guitarra acústica, dá-lhe um sentido de urgência que as questões levantadas pela letra ajudam a manter. A música parece ser sobre abandonar uma perspectiva egocêntrica e individualista do mundo e adotar um papel – qualquer um, por mais pequeno que seja – que contribua para o coletivo.

And now after some thinking, I’d say I’d rather be
A functioning cog in some great machinery serving something beyond me

Robin Pecknold não trata o tema de forma maniqueísta e a canção não se transforma numa afirmação inequívoca desta ideia. Pelo contrário, lança mais questões, põe mais areia na engrenagem e esclarece pouco. Tudo isto faz com que o momento em que a música muda, ali pelos 2m45s, saiba especialmente bem. Depois de nos encher a cabeça de perguntas, a canção descansa. Entram a bateria, o baixo e a guitarra elétrica, acalmando a guitarra acústica, e de repente tudo fica mais simples. “Se eu tivesse um pomar”, diz ele, “trabalharia até ficar dorido”. Não sei o que achar deste piscar de olho à ética de trabalho protestante, depois disto tudo. Mas, lá está, parece um elogio do trabalho enquanto contributo para algo maior.

A coisa mais bonita do mundo

E os Fleet Foxes conseguem tornar isto na coisa mais bonita do mundo. Há um verso que, no contexto musical em que surge, me arrepia quase sempre.

And you would wait tables and soon run the store

Acho que é porque me parece uma boa proposta. Uma proposta simples, exequível e com um tipo de ambição moderada, comedida que parece reunir poucos adeptos nos dias que correm. Uma ambição focada em algo mais do que ter sempre mais e mais.

Mas como as dúvidas que Robin Pecknold demonstra ter ao longo de “Helplessness Blues” nunca se dissipam, o último verso é curioso.

Someday I’ll be like the man on the screen

Será possível um indivíduo contribuir de forma tão determinante para o coletivo que isso lhe traz reconhecimento individual? Claro que sim. A questão aqui é: o indivíduo ainda não descobriu como pode contribuir para o coletivo e já sonha com o reconhecimento, o que me faz pensar que os seus motivos são tendencialmente egoístas. Podem estas duas ideias coexistir pacificamente? Conseguem resistir bem à passagem do tempo?

Não sei. Portanto, percebo que “Helplessness Blues” deixe as perguntas no ar e não tenha resposta para elas. E perdoo-lhe a dor de cabeça porque dificilmente poderia soar melhor. Tanto quando me está a arreliar como quando me manda descansar.

Continuo a não gostar especialmente de Fleet Foxes e a não ter muita paciência para as harmonias vocais e para os desvios por feiras medievais, mas “Helplessness Blues” compensa tudo isso. Vou só ficar aqui a ouvi-la mais um bocado.